28 setembro, 2003

Hoje eu tive tempo de sobra para resolver bastante coisa. Bom e ruim. Bom porque não fiquei com pendências. Ruim porque não me ocupo, e mente vazia, já sabe. A coisa mais difícil é essa carência. Já nem cabe mais aqui. Tentei alugar a casa do lado, ver se ela quer ir pra lá, mas ela nem me ouviu. Fica aqui, dilacerando, machucando minha memória, meus pensamentos... minhas lembranças estão bem aqui, passeando na sala, rindo pra mim. Lembranças boas, até; porém elas fazem questão de me mostrar que estou carente. Me é praticamente impossível conviver com tanta necessidade. E isso tudo me contradiz tanto... a coisa que mais repudio é uma pessoa melosamente carente.... e eu estou sendo ao cubo.

Parece que toda a energia em minha volta se une contra mim: toda a programação do rádio é pra atiçar minha carência. Só porque estou carente, todo mundo resolveu almoçar com seus respectivos parceiros(as) hoje. Nunca ninguém nem aí com ninguém, mas hoje que a carência está estampada na minha testa, fui obrigada a partilhar de muitas juras de amor- que não eram pra mim, muita mão na mão- que não era a minha, boca na boca- que eu fazia questão de ignorar, olhares cúmplices e eu lá.... de castiçal.

[lembrete] nunca mais ser descolada e da próxima vez, recusar terminantemente o convite.[/lembrete]

É difícil lidar. Me sinto choramingando carinho, implorando amor. Decadência.

Talvez seja isso mesmo. Porque não sinto vontade da busca, como antes eu sentia. Eu queria que simplesmente acontecesse, como num filme. Haveria até mesmo essa possibilidade, senão fosse meu MEDO. É, tenho medo. E eu não conseguiria explicar aqui. Nem tem mesmo explicação.

Por hora, só aqui expressei meu sentimento. E acabei por somar minha hipocrisia, fazendo meu teatro do "tá tudo bem, tá tudo certo, eu estou bem". Eu não vou ficar bem, saiba. Vou pra casa, onde vou deitar na minha cama vazia. E por sozinha estar, provavelmente eu nem jante, porque é um porre cozinhar só pra uma pessoa. Não, não, as meninas não estão comigo essa semana. Mas também não estou encorajando ninguém pra dizer "isso passa". Que passa eu sei. Quero a resposta de "quando passa?" ou mais complexo ainda de "como passa?".

Tenho tanto medo que nem vou colocar a cara pra fora de casa.
É que ando tão carente, que qualquer lobo em pele de cordeiro me conquistaria hoje.
Saco.

 
23 setembro, 2003
Se eu fosse hipócrita suficiente (ou pelo menos um pouquinho), diria que agora sim, tudo iria melhorar. Afinal de contas, é PRIMAVERA. Mas passei da idade de acreditar em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa ou qualquer mudança em nova estação do ano. Continuo gostando (muito) do inverno e achando que o homem, com essa devastação da natureza, prejudicou todo relógio do mundo. Aqui, em plena chegada da tal prima, está um calor infernal.... e, como sabe, odeio verão e todas suas consequências. Além do quê, as flores não me inspiram em nada (mesmo eu tendo comprado gérberas ontem....), servem para embelezar, ponto. Meu amor não chegará com a primavera, e ninguém vai me dizer "te amo" só porque é primavera... meu salário não vai aumentar, meus problemas permanecerão. Então, primavera, saudações, mas pra mim vc não me serve de nada, porque flores a gente tem o ano inteirinho e minha vida continuará a mesmérrima, com a sua chegada.
 
22 setembro, 2003

As coisas que tenho que escutar:

- Vc é santista por causa do Pelé, né não?
- É nada, sou santista há muito tempo.
- É? Desde pequeno?
- Umhum. Uma vez perguntei ao meu pai que time que ele torcia, daí ele falou que era o Santos.... daí virei santista também. Isso desde uns 2 dias de vida!

(gargalhadas)

Afe maria. Então tá.

 
16 setembro, 2003

Nos últimos três dias, passamos do desespero para uma brecha de relax. Dobramos o pescoço pra trás e o movimentamos pra direita, pra esquerda, em círculos, e soltamos um tremendo "Ahhhh" de alívio. Não, não chegamos no final, e a vovó não está recuperada. Mas já está em casa. Não por alguma melhora significativa. Foi por opção familiar.

Numa noite, ainda internada, ela teve um ataque de hipoglicemia. Minha tia, que a acompanhava no momento, sabia que era hipoglicemia. Ao chamar a enfermeira, ela disse que minha avó estava suando por causa do calor. (!!!!). Que calor? Está frio à beça, e isso é hipoglicemia, e está avançado. Enquanto a enfermeira explicava que não estava autorizada a medir a glicose, pois já havia feito o procedimento duas vezes naquele dia (!!!!!), minha vó começava com os calafrios, que a faziam se debater na cama. Como assim, não pode? quem é que pode então?- disse minha tia... Preciso avisar a minha supervisora - disse a "enfermeira" - saindo do quarto.

Por um milagre, a fisioterapeuta chegava no quarto, dando de encontro com minha tia, que já estava de saída em busca de ajuda. A Fisio perguntou o que estava acontecendo, e depois de explicado, chamou uma outra enfermeira que disse o mesmo absurdo: "já fizemos o teste às 9 e às 16h, não podemos fazer novamente, sem ordem superior". O que levou a Fisio. ela mesma, pegar o aparelho e medir a quantidade de glicose, constatando que havia abaixado muitíssimo e que o que se imaginava era fato: hipoglicemia. Correndo pelo hospital, a Fisio retornou com duas seringas cheias de glicose, as quais, mais tarde, fizeram minha avó voltar ao estado normal.

OK. Isso tudo foi, na manhã seguinte, relatado ao médico, que sem aparência de espanto alguma, fala que eles sempre acabam esbarrando em alguma burocracia. Eu, na hora, não pude deixar de pensar o que acontece com os pacientes que são submetidos à "tratamento" sub-humano, num SUS qualquer da vida; enquanto minha vózinha, num nível melhor e bem pago, diga-se de passagem, passa mal por esbarrar na burocracia (!!!!!)...

Isso tudo nos levou a optar continuar o tratamento em casa, onde não estamos à mercê de nada nem ninguém. E assim, ela voltou pra casa - com um sorriso enorme no rosto, o que me valeu tudo que passamos naquele hospital. Em casa, ela se sentirá bem mais protegida e amparada, pode caminhar pela casa sem se deparar com mais tristeza, pode comer o que quiser na hora que quiser...

Ela sofre de Insuficiência Respiratória Crônica e o pulmão direito dela já não faz as vezes mais. Por isso, é constante a tosse e a falta de ar. Com isso, soma-se a diabete - que bem controlada, não intervém no tratamento. O médico virá vê-la, como fazia no hospital. E torcemos pra que todos da família colabore pra que tudo fique bem ... da melhor forma possível. Sempre acreditei que o hospital só piora as coisas. E não precisa estar num hospital pra ser bem cuidada. Ela voltou com muitas recomendações e instruções a seguir, principalmente quanto ao oxigênio necessário para mantê-la bem... porém, mesmo assim, acredito que foi o melhor que fizemos - ela em casa, se sentirá mais segura.

"- Esqueçam o que eu disse no Natal. Acho que vocês vão ter que me aguentar mais um pouco, ou pelo menos até lá."- disse vovó, assim que entrou em casa.

.... E assim....
Por consequência da doença da vovó, todo mundo da família atrasou algum pedaço da vida particular. O meu foi no trabalho, que torço pra conseguir colocar tudo em ordem até a próxima semana.... e aqui no blog também, que confesso que estou procurando o estado de espírito que eu estava, anterior ao acontecido. É claro que nunca acharei-o na íntegra, mas sinto que tenho que buscar, em algum lugar, uma dose de humor e outra de simpatia - ando meio estressada.

Aproveitando o tempo e o post, agradeço de novo todo mundo que escreveu aqui, escreveu no email e que ligou. Um beijo gigante em cada um. Isso não tem preço, é de um valor inatingível cada palavrinha que li por aqui e cada gota de coragem que encontrei nelas. Vocês são, definitivamente, meus amorzinhos. Aos que passaram e deixaram o toque, também meu MUITO OBRIGADA...

 
09 setembro, 2003

... continuamos na mesma situação. Ela continua internada e oscilou entre algumas melhoras e pioras sutis, até que veio a notícia: precisará mesmo de exames mais complexos e perigosos.

Enquanto isso, nossas vidas tomaram um outro rumo, os dias estão mega preenchidos, ao invés de 7, me parece ter passado uns 20 dias, tal o cansaço. Revezamos, enquanto pudemos; e utilizamos da boa vontade das pessoas, enquanto elas se disponibilizaram. É preciso companhia dia e noite, 24 horas, com ela no quarto. E não há mais com quem contar, exceto eu, minha tia e minha mãe - que já apresenta grandes sinais de irritação e cansaço, pedindo arrego.

Vovó escapou de um UTI na quinta-feira passada e tive certeza de que havia anjos naquele quarto... CERTEZA. Está delirando, vendo meu avô conversando com ela, meu tio e alguns amigos - todos em um outro estágio, não mais nessa vida. Não sabemos o que falar - e muitas vezes mandamos minha mãe calar a boca e deixar o delírio acontecer... (já que ela não mede as palavras....).

É infinitamente doloroso ver tanta dor e ter a sensação de impotência. É muito difícil chegar no quarto e vê-la afundada na cama, sem nem saber direito o que está acontecendo. É horrível ligar para parentes distantes, comunicando o início do fim. É desgostoso ver a família praticamente toda reunida, por causa disso. Nem no Natal conseguimos tal proeza. E por falar em Natal, hoje ela se desculpou por "estragar-nos" o desse ano.... (lágrimas)

Quando eu perdi o meu avô, marido dela, eu senti muito. Não, eu senti, só. Ele era absurdamente ruim, maltratava todo mundo e eu tive pena de como ele morreu, mas não sofri. Eu tinha 16 anos, pra 17. Não me lembro de ter chorado. Porém, minha avó é diferente. Por motivos desconhecidos, nunca me dei bem com a minha mãe, escolhendo desde a infância, ficar com a minha avó. Ainda assim, tentei algum relacionamento mais intenso com a minha mãe lá pelos 11 anos, voltando pra minha avó alguns meses depois da experiência frustrada.

Foi da casa da minha avó que saí pra casar e só não voltei pra lá, quando me separei, após 7 anos, porque eu já havia formado o meu "império" e nele permaneci. Foi ela que me ensinou tudinho que eu sei e hoje ensino pra minhas filhas. E é ela que é a Bisa mais preocupada que já vi na vida. Depois de todos esses dias no hospital, numa espera infinita, que eu percebi o quanto faz falta ela me perguntar se já comi, se já tomei café, se já jantei, se já estou satisfeita. Pode todo mundo estar esfarrapado ou doente, mas não pode ter ninguém com fome. É a primeira pergunta que ela faz pra qualquer um que entra: "Já comeu? Tem café, tem bolo, tem comida, vai lá se servir..."

Sempre cozinhando pra batalhões. Nunca entendemos porque tanta fartura. Nunca fomos tão numerosos assim. "Antes sobrar do que faltar..." - lema da vovó. Então tá. Quantas vezes retruquei as ofertas de comilança, irritada, porque era só isso que a gente escutava o tempo todo, e agora ... pôxa, agora faz a maior falta. Conversando com uma prima que eu nem sabia que era prima, guardei o que ela falou: "A velhice é um problema. Ficam chatos, turrões, insistentes, teimosos. A gente briga, xinga, manda pro bingo. Mas nunca que a gente quer que aquilo acabe. E por mais que desejemos o contrário, vai acontecer. Daí vai fazer uma falta danada." - é mesmo verdade.

Queria ela aqui, queria vê-la tataravó. Queria não, eu QUERO. Turrona, impertinente, mas aqui, "enchendo nossos sacos". Como se bastasse... Me foi pedido conformidade e preparo para o previsível futuro. Até aí eu entendi. Só não entendo o porquê de tanto sofrimento, desejaria que fosse mais natural.... é tanto tubo, máscara, eletrodos.... não dá pra amenizar um pouco?

A gente pode aguentar muita coisa - ou achar que aguenta - mas quando desestrutura na base, aí perde-se a bússola. Ainda estou pensando no Natal. Realmente, ela tem razão. Mas não precisava se desculpar. Muito triste.

Agradeço, de todo meu coração, cada recado deixado, cada preocupação, cada oração, cada cliquezinho amigo. Agradeço a paciência, o carinho, o retorno. Quando tudo se acalmar, quando tudo entrar no eixo e a poeira baixar, esse blog provavelmente volta com a força que antes tinha. Hoje eu necessitava de escrever um pouquinho, muito mais pra pôr pra fora mesmo, mas também pra servir de informação pra quem interessar possa. Além de escrever, minha prioridade hoje, nesse tempo que eu me presenteei hoje à tarde, eu precisava ler todos vocês - vocês que sabem exatamente quem são. E eu li. Todo mundo. Todos os atrasados. E, por alguns instantes desse dia, me reportei à um mundo diferente do que eu estou vivenciando. Porque se assim eu não fizesse, acho que definitivamente eu enlouqueceria. Precisava de uma válvula de escape. E usei vocês, meu queridinhos e queridinhas. Mais uma vez obrigada.... até daqui o fim disso tudo, ou antes, caso minha alma grite por socorro novamente.

(((Recados muito importantes, pra pessoas mais importantes ainda)))

Rafa: eu a-do-ro você e nunca pensei tanto numa pessoa, como tenho pensado em você. Não te liguei por motivos óbvios. E sei que você me entende. Eu sei.

Cacau: peguei seu recado na secretária e, putz, te amo. Obrigada mesmo pela consideração. São nessas horas adversas que a gente vê quem é quem. Há tantas decepções, mas também há tantas belas surpresas. Um dia, vamos sentar e conversar um tantão assim. Tenha paciência comigo.

Estarei ausente por mais um tempo, aqui e no Ponto G.emini, imagino. E tomara, Deus, que eu esteja completamente enganada. Pra isso, existem milagres. E eu CREIO neles.

 
01 setembro, 2003

Senhor Deus, sei que ando em falta contigo, e que não estou sendo uma boa filha nos últimos anos. Mas, se é mesmo impossível evitar o inevitável, então peço humildemente pra que não seja com tanto sofrimento, porque me é doloroso ver minha velhinha nesse estado. Amém.

(minha avó, de 82 anos, está internada, com a saúde em péssimo estado. Se acredita em Deus, como eu acredito, seja qual for o nome que vc dê à Ele, peço que interceda por ela, pela minha vovó. Esse blog retornará somente quando tudo isso chegar ao final (feliz, espero), e como são meus amigos que aqui passam, sei que compreenderão. Beijo em cada um de vocês.)