09 setembro, 2003

... continuamos na mesma situação. Ela continua internada e oscilou entre algumas melhoras e pioras sutis, até que veio a notícia: precisará mesmo de exames mais complexos e perigosos.

Enquanto isso, nossas vidas tomaram um outro rumo, os dias estão mega preenchidos, ao invés de 7, me parece ter passado uns 20 dias, tal o cansaço. Revezamos, enquanto pudemos; e utilizamos da boa vontade das pessoas, enquanto elas se disponibilizaram. É preciso companhia dia e noite, 24 horas, com ela no quarto. E não há mais com quem contar, exceto eu, minha tia e minha mãe - que já apresenta grandes sinais de irritação e cansaço, pedindo arrego.

Vovó escapou de um UTI na quinta-feira passada e tive certeza de que havia anjos naquele quarto... CERTEZA. Está delirando, vendo meu avô conversando com ela, meu tio e alguns amigos - todos em um outro estágio, não mais nessa vida. Não sabemos o que falar - e muitas vezes mandamos minha mãe calar a boca e deixar o delírio acontecer... (já que ela não mede as palavras....).

É infinitamente doloroso ver tanta dor e ter a sensação de impotência. É muito difícil chegar no quarto e vê-la afundada na cama, sem nem saber direito o que está acontecendo. É horrível ligar para parentes distantes, comunicando o início do fim. É desgostoso ver a família praticamente toda reunida, por causa disso. Nem no Natal conseguimos tal proeza. E por falar em Natal, hoje ela se desculpou por "estragar-nos" o desse ano.... (lágrimas)

Quando eu perdi o meu avô, marido dela, eu senti muito. Não, eu senti, só. Ele era absurdamente ruim, maltratava todo mundo e eu tive pena de como ele morreu, mas não sofri. Eu tinha 16 anos, pra 17. Não me lembro de ter chorado. Porém, minha avó é diferente. Por motivos desconhecidos, nunca me dei bem com a minha mãe, escolhendo desde a infância, ficar com a minha avó. Ainda assim, tentei algum relacionamento mais intenso com a minha mãe lá pelos 11 anos, voltando pra minha avó alguns meses depois da experiência frustrada.

Foi da casa da minha avó que saí pra casar e só não voltei pra lá, quando me separei, após 7 anos, porque eu já havia formado o meu "império" e nele permaneci. Foi ela que me ensinou tudinho que eu sei e hoje ensino pra minhas filhas. E é ela que é a Bisa mais preocupada que já vi na vida. Depois de todos esses dias no hospital, numa espera infinita, que eu percebi o quanto faz falta ela me perguntar se já comi, se já tomei café, se já jantei, se já estou satisfeita. Pode todo mundo estar esfarrapado ou doente, mas não pode ter ninguém com fome. É a primeira pergunta que ela faz pra qualquer um que entra: "Já comeu? Tem café, tem bolo, tem comida, vai lá se servir..."

Sempre cozinhando pra batalhões. Nunca entendemos porque tanta fartura. Nunca fomos tão numerosos assim. "Antes sobrar do que faltar..." - lema da vovó. Então tá. Quantas vezes retruquei as ofertas de comilança, irritada, porque era só isso que a gente escutava o tempo todo, e agora ... pôxa, agora faz a maior falta. Conversando com uma prima que eu nem sabia que era prima, guardei o que ela falou: "A velhice é um problema. Ficam chatos, turrões, insistentes, teimosos. A gente briga, xinga, manda pro bingo. Mas nunca que a gente quer que aquilo acabe. E por mais que desejemos o contrário, vai acontecer. Daí vai fazer uma falta danada." - é mesmo verdade.

Queria ela aqui, queria vê-la tataravó. Queria não, eu QUERO. Turrona, impertinente, mas aqui, "enchendo nossos sacos". Como se bastasse... Me foi pedido conformidade e preparo para o previsível futuro. Até aí eu entendi. Só não entendo o porquê de tanto sofrimento, desejaria que fosse mais natural.... é tanto tubo, máscara, eletrodos.... não dá pra amenizar um pouco?

A gente pode aguentar muita coisa - ou achar que aguenta - mas quando desestrutura na base, aí perde-se a bússola. Ainda estou pensando no Natal. Realmente, ela tem razão. Mas não precisava se desculpar. Muito triste.

Agradeço, de todo meu coração, cada recado deixado, cada preocupação, cada oração, cada cliquezinho amigo. Agradeço a paciência, o carinho, o retorno. Quando tudo se acalmar, quando tudo entrar no eixo e a poeira baixar, esse blog provavelmente volta com a força que antes tinha. Hoje eu necessitava de escrever um pouquinho, muito mais pra pôr pra fora mesmo, mas também pra servir de informação pra quem interessar possa. Além de escrever, minha prioridade hoje, nesse tempo que eu me presenteei hoje à tarde, eu precisava ler todos vocês - vocês que sabem exatamente quem são. E eu li. Todo mundo. Todos os atrasados. E, por alguns instantes desse dia, me reportei à um mundo diferente do que eu estou vivenciando. Porque se assim eu não fizesse, acho que definitivamente eu enlouqueceria. Precisava de uma válvula de escape. E usei vocês, meu queridinhos e queridinhas. Mais uma vez obrigada.... até daqui o fim disso tudo, ou antes, caso minha alma grite por socorro novamente.

(((Recados muito importantes, pra pessoas mais importantes ainda)))

Rafa: eu a-do-ro você e nunca pensei tanto numa pessoa, como tenho pensado em você. Não te liguei por motivos óbvios. E sei que você me entende. Eu sei.

Cacau: peguei seu recado na secretária e, putz, te amo. Obrigada mesmo pela consideração. São nessas horas adversas que a gente vê quem é quem. Há tantas decepções, mas também há tantas belas surpresas. Um dia, vamos sentar e conversar um tantão assim. Tenha paciência comigo.

Estarei ausente por mais um tempo, aqui e no Ponto G.emini, imagino. E tomara, Deus, que eu esteja completamente enganada. Pra isso, existem milagres. E eu CREIO neles.