- Conheço sim, há bastante tempo..... - disse eu, engasgando.
- Ele é marido da Néia, que trabalha aqui comigo. Moram aqui do lado.
Levando em consideração que estou no bairro que moro, então moramos todos pertos e foi justamente num salão que o reencontro. Tentei florear a história, com aspectos mais familiares, tipo "conheço a mãe dele também", "os filhos também", mas daí veio o baque:
- Nunca conheceu a Néia? - ela me interrompe.
- Acho que não, não estou lembrada dela. Quando o conheci, foi através de amigos, ele era separado da mãe dos filhos dele.... - e foi mesmo assim que o conheci, oras bolas.
- A mãe dos filhos dele é a Néia, eles nunca se separaram, sou amiga dela há anos...
Acho que minha cara ficou da cor do arco-íris inteiro. E ela ali, com a faca e o queijo escova e o secador no meu cabelo, nem dava pra eu correr. Por um momento, imaginei a Néia entrando em pleno salão, ou saindo atrás do biombo, perguntando um monte de coisas, me acusando de amante do Clayton, quando de repente me lembrei: a jovem senhoura não sabia de nada do nosso passado, então eu também estava de inocente na história. E foi assim que me portei.
No meio de pensamentos viciosos 'eu saí com um cara casado por meses', tentava esclarecer pra jovem senhoura a minha amizade com ele, e que eu nunca imaginava ele ser casado ainda, porque o encontrava sempre sozinho - e, cá entre nós, até viajamos juntos, uma vez, mas claro que não falei isso pra ela. Ela, por sua vez, foi discreta, mesmo sendo tão amiga da tal Néia. A partir daí, se eu mudasse de assunto, me condenaria. Então, sutilmente, fui fugindo do parâmetro, fingindo até, uma certa hora, que ela havia me queimado a nuca. Aquilo parecia não ter fim. E eu rezava pra Néia não aparecer por ali, porque depois que saísse, nem na frente passaria mais.
A escova terminou, finalmente paguei, me despedi, peguei cartãozinho, entrei no carro e adeus passado. Cartãozinho voou , depois, pelo vidro do carro, pra não restar dúvidas que ali de novo, nem pensar. A história podia acabar aqui, certo? Mas lembre-se do título.
Chego em casa, minha mãe lá, sentada no sofá, demorou uns 20 minutos pra ver que eu tinha cortado o cabelo. Até aí, normal. Depois que ela falou "Até que enfim, cortou seu cabelo, criou vergonha na cara...", essas coisas meigas e doces que ela me fala sempre, perguntou-me que salão eu tinha ido. Respondi:
- Aquele salão novo que abriu ali, na Av Amazonas....
- Ah, sei. Uma das donas é mulher do Clayton. - ela me fala, e eu caio sentada no sofá.
- Que Clayton? - engasgo de novo.
- O Clayton trabalhou comigo no Banco do Brasil. Meu amigão.
Ô, Deus.