09 maio, 2004

A partir daqui, leia se quiser....

Isso vai ficar meio pessoal demais pro meu gosto. Tá, eu sei que esse blog é mais que pessoal, mas se tratando dela, que nunca falei muito aqui, vai ficar mais pessoal ainda. Enfim...

Alguns que já me conhecem um tantão, sabem que minha mãe é algo assim, digamos, estranho. Não consigo definitivamente rotulá-la, porque a cada vez, a cada ano que passa, ela se supera. Quem ler isso aqui achará que não tenho coração... mas creia piamente que tenho, e dói pra caceta desde que percebi o "estilo" da minha mãe...e olha que só fui cair em mim depois de uns 13 anos, ainda assim com algumas dúvidas e pensamentos do tipo: "não, não pode ser."

Tô aqui buscando as palavras, mas não tem jeito: não há como defini-la. Mas uma mãezona, ela nunca, nunca foi. Fui criada pela a minha avó, alguns já sabem. Ela, minha mãe, fez questão de nos deixar-nos todos com a vovó, preferindo assim. Mas sempre esteve presente, mesmo em épocas que eu desejasse muito que ela estivesse bem longe. Tem quem diga que sou parecida com ela (em gênio) e às vezes me pego mesmo falando tal qual e agindo como ela, o que me dá um puta peso na consciência: é o que não desejo infinitamente ser para com minhas filhas.

Achei que ia entender muitos pontos dela depois que eu fosse mãe, mas isso acabou gerando em mim um conflito maior, porque sempre me policio em ser exatamente o que ela não é. Nota: não penso como ela, o que me é um grande alívio. Mas muitas vezes, falo como ela e corro pedir perdão e cumprir penitências. É algo como ter matado alguém.

Porque é isso que ela faz: ela mata o amor dentro da gente. Teve épocas que ela não ligava, não aparecia, e eu ia vê-la, porque afinal de contas é minha mãe... mas as visitas não duravam mais que 20 minutos. Ela não tem papas na língua, ofende à todos, fala mal de todos, enfrenta à todos, o que acabou por ela virar nosso maior martírio.

É difícil e bem difícil mesmo alguém bater de frente com ela. Muitas vezes, ela se entoca em alguma vida - na minha, na das minhas filhas, na da minha avó, na da minha tia - e ali ela fuça e desfuça, critica, toma atitudes imperdoáveis e todo mundo diz amém, amém. Porque se há discussão, há DISCUSSÃO mesmo, em altos brados, porque ela odeia ser interpelada, da forma que seja, nem que chegamos de manso, dizendo: "mas.... ".

Que "Mas" o quê! Já atribuí tais fatos a alguma doença, ou ela não tratar a menopausa, ou à algum problema psicológico, já perguntei se ela caiu qdo pequena pra a minha avó. Mas nunca com ela... foram conversas entre a gente, as vítimas da mamãe.

Ela chega ao cúmulo dos cúmulos de chamar minha avó de "velha desgraçada que só dá trabalho" e dizer pra todo mundo ouvir que meu pai é um "fdp de um cachorro pulguento". Já vi meu pai chorar com as rebeldias dela, e foi o pior dia de minha vida. Meu pai vai ser canonizado depois de morto ou então tem uma mansão preparada no céu, com tapete vermelho e tudo.

E ela, minha mãe, é tão... "estranha"... que hoje se revolta, briga, me predica de vagabunda, piranha, desgraçada e amanhã me chama de filhinha... vai entender. De uma coisa eu tenho certeza: ela tem inveja e muita, de mim e da vida da minha avó também. Ela acha que gastamos demais com a vovó; onde já se viu contratar enfermeira! Que enfiamos dinheiro no cu, que com ela ninguém se preocupa...

Interesseira também ela é. Meus momentos de paz com ela foram exatamente os meses que eu dei dinheiro à ela... "Ó, mamãe, tá aqui, pra senhora comprar o que está faltando" ou "Hoje eu vi uma blusa linda...." ... "Tó, mamãe, compra a blusa que senhora viu....". Mas chegou uma época que isso saturou. Eu me sentia cada vez mais mal em agir de tal forma e parei por completo a compra de carinho a qual eu estava me submetendo.

Ela se acha no direito de comprar as coisas e dar pra gente pagar; a matricular minhas filhas em cursos que eu nunca matricularia e fazer eu levá-las nos horários mais estrambólicos que possam existir; faz compras e descarrega em nossa porta sem prévia autorização e depois diz pra todo mundo que a compra quem fez pra fulano foi ela; se acha no direito de falar pra minhas filhas que com aquela roupa elas não sairão com ela; a meter o pau em todos os familiares, vizinhos, amigos - ninguém presta; a criticar meus relacionamentos, nenhum é bom o suficiente, mas sempre os trata muito bem, como se fossem magníficos pra saírem de lá dizendo: mas sua mãe é tão bacana!; a criticar meu jeito de vestir; a achar que minha casa e meu carro são luxos demais pra mim (como se ela tivesse me dado cada um de meus patrimônios); a achar que mimo as crianças de forma exagerada; a jogar familiares um contra os outros por meio de fofocas; a mentir descaradamente depois dizendo que não falou "desse jeito"; a maltratar meu pai, deixando trancado pra fora de casa, ou sem comida, ou sem notícias, quando sumiu por dois dias inteiros e e nos enlouquecer de tanto procurar, só pra chama-nos a atenção pra ela; a fazer-nos chorar por suas maldades; por me manipular a tal ponto que chego a dizer pras meninas: "obedece tudo o que a vovó falar, por favor", quando elas vão passar um dia na casa dela (o que eu odeio, mas deixo pra não ter falação)...

A temperatura familiar se mede um perguntando ao outro: "e como ela está hoje?" ... e se escutamos que ela está boazinha, é porque nesse dia ela pode até brincar com as meninas ou fazer piadinha pra gente, ou conseguir falar ao invés de gritar ou enxergar que realmente a vovó precisa de uma enfermeira, ou pedir uma carona pra tal lugar no meu carro, que ela tanto desgraça o tempo todo e já jurou aos berros que nunca entrará nele... jura essa que dura dois, três dias, no máximo. Assim como ela já jurou que não pisaria mais em casa, num dia que não tinha café pronto, e ela queria café e a Anita foi passar o café, e ela não queria mais o café. "Aqui eu não piso mais, casa que não tem café o dia todo pra mim não serve" - foi o que ela gritou, antes de bater a porta da sala - a minha porta da sala, note. No dia seguinte, ela apareceu a noitinha em casa, como se nada tivesse acontecido, e eu agindo da mesma forma...

Já me cansei das brigas homéricas que já tivemos, no tempo eu que eu ainda tinha boca pra falar alguma coisa pra ela; hoje não mais. Dou as costas mesmo, deixo falando sozinha, não tem "mas" nem "e" nem nada. Ela, por mim, murchará sozinha dentro das transições dela, entre o bem e o mal.... oscilo também, mas entre pena, raiva, amor e ódio. E penso: enquanto estiver oscilando, tudo bem. Pior será o dia em que tudo isso cansar mesmo, eu juntar minha trouxa e me mandar com as meninas pra longe dela...

E hoje, no Dia das Mães, num almoço reunindo toda a família lá na vovó, apareci bem tarde, pra pegar o finzinho mesmo... nos abraçamos e ganhei uma toalha de mesa bordada e dei flores, como todo ano dou. Obrigada de cá e obrigada de lá. "Feliz Dia das Mães" e "Pra você também", foi o que dissemos. Então eu não sei o que quer dizer longas conversas, com uma xícara de café na frente da gente; não sei o que é chorar num colo materno, não sei o que é gritar pela mãe na hora de um sufoco... e só sei a grandiosidade se ser mãe porque sou uma e sei o quanto é necessário um colo, um abraço, uma lágrima aparada, gargalhadas, brincadeiras, conversas de mãe pra filha, de filha pra mãe, acima de tudo....

Passo para as milhas filhas o que Deus nos dá por intuíto (e não o que recebi, como filha) e acho que estou conseguindo. Pelo menos, transbordo de amor a cada dia... e hoje, que ganhei florzinhas amarelas e um cartão feito por elas, vejo que maternidade é uma vocação mesmo. Dom. Só que é um dom tão divino, e Deus é tão bom, que praticamente todas as mães são mãezonas. Eu não tive essa sorte. Mas tive a vovó, que, do jeito dela, me deu amor - mesmo que sem toques e sem declarações, ainda assim amor.

E mesmo com tudo isso, amo a minha mãe. Olho pra ela e a acho linda (fisicamente), é sério. Pena que eu saiba que ela não acredita nisso; acha que é jogo meu, que quero algo em troca, das vezes que, incondicionalmente, pedi um abraço e tive em resposta um olhar autoritário e desconfiado ao toque. E mesmo assim, amo. Se não a amasse, não sofreria tanto com isso. E sei que mesmo com tanta tortura psicológica, que mesmo ela tentando nos assassinar diariamente, aqui ainda mora uma esperançazinha de que ela há de me querer bem, mesmo que ela já tenha me desejado desgraças, assim, na minha cara. Ainda assim, Deus é maior. E Deus é amor também.

Feliz dia das mães, com uma abraço apertado e olho no olho, que eu não posso te dar, mamãe; mas o mundo virtual me dá essa chance de fantasiar o que não pôde ser na real. Mesmo eu sabendo que nunca a senhora vai ler isso... mesmo assim.

E pra quem leu, obrigada.