26 fevereiro, 2005

Certas reações minhas são devidamente estratégicas, pensadas e medidas. Por isso, poderiam muito bem me rotular como uma pessoa fria e calculista. Mas muitas outras reações porvêm de algo em mim ainda oculto, que eu saberia que viria à tona, mais cedo ou mais tarde, devida à própria vida mesmo, o tanto que ela ensina, machuca, proporciona, apronta.

Ontem eu tive uma dessas reações ocultas. Depois de um telefonema de horas - não porque eu quisesse, onde a pessoa chorou, se desmantelou, confessou estar pensando em dar cabo da própria vida (mas não é verdade), que está sofrendo muito, esquecida num canto, que nenhuma alma se lembra de ligar pra saber se está viva quem dirá visitá-la, blás e blás e blás, desliguei o telefone depois de soltar qualquer coisa como um "reza, pede à Deus...." ou "todo mundo tem momentos ruins", suspirei e fui dormir.

E dormi. Profunda e belamente. D-o-r-m-i. Sonhei também, mas não lembro. Só sei que dormi. Dirá qualquer um diante de uma afirmação dessa: então ela não se preocupou com nada do que ouviu. Responderá eu: não mesmo. E porque não estou surpresa? Porque eu saberia que isso ia acontecer. Óbvio.

A pessoa passa a vida te querendo mal, te desejando mal, não te ajuda em nada, só está bem quando você está mal, e ainda assim você tem que conviver, conversar e o pior: chamá-la de mãe. Depois te liga, no auge da precisão, doente, de cama e sozinha e quer o quê?... Desculpe, posso parecer a pior das filhas, mas tenho muitas razões pra isso, só não preciso ficar explicando-as, embora já tenha feito isso por aqui. Basta pra mim quem já acompanha meus escritos e sabe que eu nunca contei com uma família decente, exceto minha avó, quiçá meus irmãos.

Só que não é um telefonema choroso, no meio do meu programa predileto - o que é pior- que vai me abalar. Se risco essas letras nesse momento, é porque, ao contrário do que muitos podem achar, eu estou bem. E minha mãe me comove tanto quanto um chuchu cozinhando. E não vou mover um dedo para secar as lágrimas dela. Porque, como disse meu irmão, ela merece cada dor que está sentindo. Felizmente, aqui se faz e aqui se paga.

E se isso te atordoa, se essas minhas palavras te afetam, é proque provavelmente você tenha uma linda mãe, que te ama - a ordem natural do mundo, eu diria. Eu também tenho filhas que são a razão da minha vida - e isso não é nenhum jargão. Sou pra elas, definitivamente, o que nunca minha mãe foi pra mim. Mas se você não entender isso, somente atente ao fato que você faz parte de um geral. Eu não. E se minha mãe está sofrendo hoje, problema dela. E me poupe com comentários do tipo vamos-dar-as-mãos-e-nos-amar. Não funciona, creia. Eu tentei isso por muitos anos. Hoje sou muito mais eu.

Que Deus seja o que tiver que ser com ela. O máximo que ela vai conseguir de mim é o meu penar... se muito.