04 novembro, 2003

Para não cair no marasmo que vai ser meus próximos dias (bem provavelmente), e também para atender essa minha necessidade de escrever, vou colocar aqui alguns pedaços de história... talvez a minha própria... talvez não.


Cena 1 - A Criação

Desde que eu me conheço por gente, fui criada pela minha avó materna. Sempre ouvindo minha mãe dizendo que não tinha tempo pra gente, que tinha que trabalhar... (eu e meus dois irmãos, mais velhos...sou a caçula). Desde que eu me lembro, moramos sempre numa mesma casa, antiga, velha, quadradona. Inúmeros quartos, piso de madeira - em alguns cômodos, parecíamos estar numa história de terror, uma cozinha imensa, e todo o resto duplicado: dois banheiros, duas salas, duas áreas de serviço.... fui entender aquilo bem depois... Eram duas casas geminadas, que com o tempo, viraram uma só. Big house. E foi lá que eu cresci. Sempre tivemos fartura, mas nada luxuoso. Até hoje carrego a mania de comer na sala, com o prato nas mãos. Estudei em escolas públicas, todas por perto, indo e vindo com meu irmão do meio, por quem eu era apaixonada. Caminhávamos de braços dados, eu toda orgulhosa de ter um irmão bonitão... Em casa, éramos eu, vovó, vovô, titia (que continua solteira até hoje) e meus dois irmãos. Meus avós nunca pararam pra me explicar sobre nada - não sei o que são diálogos familiares. O que aprendi, foi escutando histórias "no vizinho", na vida ou pela boca de meu irmão do meio. Nunca conversaram sobre drogas, sexo, más companhias. Tanto é que quando fiquei "mocinha", achei que tinha me machucado.

No alto dos meus 9 anos, cheia de idéias e curiosidades, resolvi que ia morar com os meus pais. Bati o pé, fiz a mala, sentei no portão até que viessem me buscar. Minha mãe relutou - tinha que trabalhar! - , mas meu pai - um santo homem - veio me buscar e lá fomos nós, de mala, cuia e bicicleta. Tenho pequeníssimas lembranças de minha infância, mas disso eu lembro muito bem: não fiquei lá uma semana. Com tanta raiva da minha mãe, vim embora sozinha para a casa de minha avó de novo - e era longe à beça. Meu pai, tadinho, não sabia o que fazer. E eu bufava, enquanto minha mãe, aos berros, fazia tempestades na nossa frente. Foi ali que, definitivamente, acreditei que era filha de papai, mas dela... impossível. Essa incompatibilidade dura até os dias atuais... mas isso vêm numa próxima história.

Cresci cada vez mais apaixonada pelo meu irmão do meio, enquanto o mais velho se matava de trabalhar desde adolescente - e ser o mais fechadão dos três. Morria de ciúmes das namoradas do meu irmão do meio, e muitas vezes dizia que ele não estava, sendo que ele estava no banho, ou assistindo TV em algum lugar daquele casarão. Depois que ele ficava sabendo, eu fazia cara de cachorrinha abandonada, e ele gargalhava. Tudo mudou quando ele casou-se e eu logo depois dele, me casei também. Mas isso também é outra história.

Eu estranhava tudo naquela casa e vivia comparando-a às casas de minhas amiguinhas de escola... não tínhamos muito contato, não tinha beijo, não tinha lanche ao entardecer. A comida sempre ficava lá, pra quem quisesse comer, na hora que bem entendesse. Sempre preservaram algumas datas, onde fazíamos de conta que éramos uma família feliz, comemorações do tipo Dia das Mães ou Natal. Mas sem muito contato, estampados na cara de cada um a obrigação de estar por ali, por perto. Cada vez que eu ia na casa de uma amiga, e a mãe chegava com lanche na bandeja e perguntava se eu desejava mais alguma coisa, eu me sentia a própria Lady Di. Pôxa, tanto carinho! Acabei adotando algumas famílias como se fossem minhas, e sofrendo bastante com isso também - mas nunca cobrei nada, achando que era o jeitão deles mesmo e pronto.

Com 12 pra 13 anos, comecei a sair e a endoidecer minha avó. Ninguém falava nada, mas minha avó achava o cúmulo. Saía para aquelas domingueiras, danceteiras onde reuniam a turma do boné e as melissinhas da vida, e eu amava. Muitas vezes, saí batendo a porta, mas meia-noite eu estava de volta. Foi lá que conheci o outro lado de ser adolescente. Não tinha isso que tem hoje, essa impulsividade toda, pra dar um beijo na boca, nos era respeitavelmente pedido. Ao som do Stevie B e do C&C Music Factory, embalávamos com os gatinhos da cidade e eu pedia que o domingo não acabasse nunca. Foram nessas baladinhas que descobri o beijo, o abraço, o aperto, a passada de mão, a língua, os amassos... e quer saber? não queria párar mais.

Até os 14 anos, foi assim. Estava terminando o primeiro grau, era uma boa aluna, sempre fui. Não tinha tido namorado ainda... mas tinha algumas experiências no Currículo Amoroso. Até aí eu também nunca tinha trabalhado, nem pensava nisso. Era jogadora profissional juvenil de vôlei no clube da cidade, graças ao meu irmão do meio, que jogava também. Estava apaixonada pelo meu professor de Matemática, que nunca deu bola pra mim. E estava prestes a conhecer aquele que virá a ser meu marido e pai das pimpolhas. Minha avó já havia desistido de mim - não deixava faltar nada, ela dizia, mas obedecer? não tem jeito essa menina! Minha mãe aparecia de vez em quando, pra implicar comigo... Meu pai, que tem uma mansão lá no céu de tão bom esse homem, vinha de bicicleta me ver todo santo dia, mas nunca me beijou (pasme!). Me abraçava, me embalava, mas beijo, nunca. Meu irmão mais velho, atolado de trabalho, nem sabia direito dele. Minha tia, depois de um concurso, passou a trabalhar de Secretária numa escola e está lá até hoje. E eu? Eu cresci mais um pouco. Numa próxima cena, eu conto