21 setembro, 2006

Ele tem os olhos mais negros que jabuticadas. Eram bem bonitos. Pela timidez que os momentos juntos proporcionava, ela nunca tinha olhado tão profundamente naqueles olhos. Mas o sorriso ganhava de longe. Sorriso. Ela sempre fora adepta de sorrisos bonitos tanto quanto é decepcionada por não possuir um também, nem com os seis anos de aparelho ortodôntico. E o sorriso dele era daqueles assim, absolutamente perfeito.

Estavam os dois, sentados dentro do carro dele, no estacionamento. Ela, como era de se esperar, tagarelava, porque estava nervosa. Tagarelar era a única saída para que o silêncio não predominasse. Aquele silêncio. Medo do silêncio, ela tinha. Então falava da aula anterior, do dia quente, da economia do país, da droga do governo, do lugar, da família, dos problemas de saúde, da cor do esmalte, falava, falava, falava.

E ele, claro, escutava, pacientemente. Concordava, opinava, interagia. Um gentleman. Ambos sabiam o que queriam. Mas ela, aparentemente, muito mais. Não o tirava mais da cabeça. Ele a perseguia pra onde quer que fosse. Trocara alguns torpedos, mais corajosos que aquela conversa. Só que nunca teve resposta. Não em palavras ou letras. Sentia a resposta quando o via. A aproximação era sempre intensa. No pouco tempo que se encontravam, o silêncio (esse mesmo, da qual ela fugia agora) predominava. Um dia, chegou repentinamente e o abraçou. Bastava o gesto. Saía feliz com o calor e o perfume impregnado na roupa dela.

Ele já era adepto do mistério e aquilo a incomodava demais. Chegou a cogitar a hipótese de se afastar, mudar os cursos, não sabia mais lidar com essa coisa de perseguição, de enlouquecer de tanto pensar na pessoa, de perder o sono, de escrever cartas que nunca serão entregues. Se via apaixonada por um homem que mal conhece. Justo ela, tão regrada. Mas estavam, finalmente, ali. Frente à frente, respirando um mesmo ar.

Ele também contou muita coisa dele. Haviam se passado umas três horas. A faculdade ia fechar, a razão veio à tona. Decidiram tirar os respectivos carros de lá de dentro, e ela saiu em busca do dela. A chave nem queria entrar no segredo, o alarme disparou com ela dentro, havia se esquecido. Quando, enfim, conseguiu estacionar do lado de fora, ele veio até ela dessa vez. Bateu no vidro. Ela abriu a porta, esperançosa que tudo ia dar certo, era só se acalmar. Foi quando notou que ele não ia entrar. Então, ela prestou atenção.

- Eu tenho namorada. - ele disse, sem nem conseguir olhar pra ela.