12 agosto, 2004

- Alô.
- Oi, sou eu.
- Fala, xuxu.
- Cê tem um tempo aí?

(ops...)

- Que aconteceu?
- Precisamos conversar.
- Cê tá me assustando...

(parei o que estava fazendo... o tom de voz dele estava me angustiando...)

- Olha...
(pausa)
- Fala logo, seja o que for....
- A Ana...
- Hum...
- Ela faleceu.

(momento de flashes...porque sempre têm esses malditos flashes? Ana era a prima dele, e por conhecê-lo há anos, conhecia a Ana também. Muito, muito ciumenta com todos, ela não falava mais comigo desde que o namorado dela me havia cumprimentado numa festa, com um beijinho na bochecha... Esse flashe, desse momento, também passou na minha cabeça, naquele instante... e outros também... recentes... como a gente nunca se bicou mesmo - esse negócio de anjos não se baterem, só podia ser - eu nunca liguei desse ciúme todo dela... inclusive a gente se deu Oi (por educação) no banco, semana passada e agora....)

- Clau?
- Como assim, ela morreu?
- Morreu, insuficiência múltipla dos órgãos...
- Babu, eu a vi no banco semana passada...
- Ela estava internada há dois dias por causa de uma hemorragia sem nexo, que já durava algum tempo... parecia menstruação, mas ela só foi ao médico depois de uns 7 dias assim... internou e constatou uma doença rara no sangue...
- Que doença?
- Não sei te explicar...
- Ai, caralho. E aí?
- Aí que entraram com uma medicação e outra, e outra... e nada funcionava e ela só piorando.... foi pra UTI durante a madrugada e depois de umas duas horas lá, deu morte cerebral.

(...)

- Clau?
- Tô aqui... eu não sei o que te falar.
- Tô precisando de você, cara.
- Eu sei... eu sei.
- Eu não consegui assimilar ainda não... fui lá, na porra do hospital, cheguei a vê-la, vivendo ainda por causa de um botão... se desligassem, já era. Mas ela não aguentou... foi o tempo de eu chegar no trabalho, o celular tocar e a Josi me contar que ela tinha falecido.
- Você tinha acabado de sair de lá?
- Umhum...

(escuto o Babu chorar pela primeira vez na vida... e porra, eu não sabia o que dizer.....)

- Olha, Babu, sou uma meleca de amiga, meu.
- Não é não...
- Eu sei o quanto a Ana era importante pra você...
- ...
- Mas eu nunca sei o que dizer nessas horas.
- Eu também tou no trabalho e saio daqui a pouco pra ir pro velório... mas não vou te pedir isso... eu sei que você odeia essas coisas... mas eu só precisava te falar... eu não sei como vai ser lá, só sei que tô mals.... eu não acredito nisso....

( e ele chorava muito... e eu ali, impotente, pequenininha... precisava lidar com essa minha inquietude perante a morte, seja ela de quem for...)

- Babu, olha... eu vou lá...
- Não, você não vai...
- Eu vou... me dá só algumas horinhas...
- Não quero que você vá, você não gosta...
- Caralho, Babu, deixa eu fazer alguma coisa...fala....
- Reza, reza pra gente aguentar...

...

- E o Vítor?

(Vítor... namorado dela há anos luz...)

- Tá dopado, estava quebrando tudo pela frente, a Josi falou.
- Puta que pariu. Ligo pra ele?
- Depois, só depois... bem depois.

...

- Ó, te amo, viu? Chora, chora que é assim que a gente lava a alma.
- Eu também... eu só queria poder escutar tua voz, mesmo ciente de tudo, que você passa mal em enterro, velório... mas quero te ver, assim que possível.
- Na hora que tu quiser...
- Deixa passar... eu te procuro.
- Gente do céu...
- E não se sente mal por não ir lá, eu tou te dizendo que te entendo, eu também só vou... bem...olha só: eu não quero que você vá, queria só escutar que você taí, que você existe, porque estou com pressentimentos horríveis, parece que vou perder todo mundo que amo ...
- Que droga, eu entendo bem isso... Porque é que sou assim?... quero te abraçar, porque é só isso que sei fazer....
- Flor, eu só queria escutar tua voz... você é do jeito que é... e a gente vai se abraçar sim... na verdade, quero muito isso....

(droga, droga, droga...ela só tinha 26 anos...)

- Babu...
- Hum...
- Sabe que estou aqui , né?
- Eu te conheço mais do que ninguém nessa vida.
- Sabe a merda que sou nesssas horas, né?
- Eu sei.
- (...)
- Vou terminar as coisas por aqui e vou lá, querida. Reza.
- Rezo. Te amo.
- Te ligo.
- Qualquer hora.
- Fica bem.
- Você também...

(... minutos à fio olhando pra droga do aparelho de telefone, depois que desliguei, olhos parados, pânico mudo... que que isso? assim... do nada?... que que isso?... esbanjava saúde... preciso entender mais um pouco da vida e da morte... mas depois, porque agora, estou me sentindo uma droga... ínfima e impotente... ainda bem que ele me entende, que não cresci nesse ponto, que fico tal qual uma criança com medo de bicho-papão, que só vou quando não tenho alternativa mesmo... e aqui, rolam duas lágrimas, nesse exato momento...)