09 setembro, 2005

Assim que atendi o telefone, veio um esbravejo:

- QUEM TÁ FALANDO?

Ora, se tem coisas que me tiram do sério, uma delas é isso. A maioria das pessoas não responde à essa pergunta, e eu faço parte dessa maioria. No caminho inverso, também pergunto, quando ligo pra alguém conhecido e não reconheço a voz de quem atende, mas vou logo falando quem sou. Perguntinha cretina. Por favor, da onde fala? ... ou.... Olha, apareceu esse número aqui no bina, gostaria de saber de quem é. O que era o caso da moça, que estava notoriamente nervosa.

Eu tentando chegar em algum nome em comum, e ela não se identificava... Enquanto ela ia esbravejando na minha cara, que esse número tem aparecido todos os dias, tanto recebido quanto feito e que blablabla, pensei: Calma, respira e ajuda, que ela está sendo tr....

- SE VOCÊ FOR O CASO DO MEU MARIDO, EU TE DESCUBRO, SUA SAFADA.

Respirei. Calma. É tudo um grande mal entendido. Acalmarei a moça e tudo vai se resolver. Mas ela não me escutava. Tudo bem, ela estava me acusando, e não é nada bacana ficar escutando berros do outro lado da linha. Mas como tem certas dores que infelizmente eu sei como é, esperei ela párar. Procurei um tom na minha voz que a acalmasse, mas precisava de uma brecha pra falar. E ela não parava. Falou até cansar. Olhei no bina. Estava falando há 10 minutos. Mas, uma hora, ela pararia. E parou.

- Tá havendo um mal entendido aqui. Não, não duvido de você..... Sim, eu entendi.... claro, esse é meu número mesmo..... mas se ..... sim, eu entendo.... mas se não houver identificação dos nomes, ficará difícil..... olha, meu nome é .... sim, estou te escutando.... claro, entendo você.... você poderia me dizer seu nome?

Eu tentei. Tentei várias vezes. Ela chorava. Senti imenso pesar. Eu já tinha notado, ao fundo, barulho de crianças. Talvez uns tantos delas. Fiquei pensando na dor daquela mulher, desconfiada do marido, lá com suas razões, porque concordo que exista mulheres psicóticas, mas na maioria das vezes, infelizmente, onde há fumaça, há fogo. Ela já tinha dado mais uma pausa, talvez para pegar fôlego, talvez para esperar algo de mim, mas meus pensamentos me invadiam. Não falei nada, ficamos mudas por alguns segundos. Até que eu falei.

- Olha, estou profundamente comovida com seu desespero. Acredite em mim, eu entendo você. Compreendo tua dor. Mas não posso te ajudar se não souber nomes. Talvez eu conheça mesmo teu marido, devido minha profissão. Ele trabalha aonde? ... autônomo, sim. Então não é. Trabalho em uma empresa contábil, o que seria uma explicação. Não, não é. Mas se você me falar teu nome.... Cristina, prazer. Meu nome é Claudia. E se meu número apareceu no seu bina, nós vamos descobrir, ok?

Ela chorava copiosamente. Falou o nome do marido, eu não conhecia. Finalmente ela havia baixado o tom de voz. Falou onde morava, falou que era agredida por ele. Pedi calma, coisa impossível em um momento tão delicado. Tentei realmente ajuda-la. E realmente é meu número no bina dela. Mas não os conheço. Indaguei se ela tinha filhos maiores, talvez um amiguinho de minhas filhas, vai saber. Não, ela só tinha filhos bem pequenos. E depois de uma promessa que vou procurar saber de quem se trata, que vou buscar uma resposta para ela, veio um pedido de desculpas cheio de vergonha. Tremendo penar. Desligamos. Mas não consigo tira-la da cabeça. Vai ser um dia difícil, o de hoje. Vai sim.